quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Inferno e Tempo



I

A ilusão desapareceu!
– da névoa de sonho perdido,
vagando sem saber por onde andava,
vejo-me envolto no meu velho inferno:
o inferno é sempre o tempo presente.

O sentar-se olhando para o nada,
sem desse nada captar sensação ou pensamento...
há o vazio fugidio de tudo que corre
(corre mais o tempo quando se o tenta parar).

Captar os mesmos devaneios que,
quando vividos, não são nada vívidos
– tudo é um pálido cinza do infinito agora,
um agora passageiro que foge sem me abandonar.

Refugio-me entre paredes e não faço Nada,
tento adiar a continuidade inevitável,
planejando o movimento que não é ação.

Engano-me!
Tento buscar mais da ilusão que foi-se embora,
incapaz de deter o presente,
segurando essa paz que é tormento!

(o tormento passa a guiar o devaneio,
e este torna-se absoluto nada)

Não há no presente embriaguez ou sobriedade,
sofrimento ou deleite...

Foi-se tudo com a névoa do sonho
que não consigo lembrar,

desperto aterrorizado e estrangeiro de mim
– pois todo despertar é violência.
Sou despejado em mim
para encarar novamente isto,
que é nada.

II

Vou recriar em breve o mundo:
a nova História da Humanidade
repousa em minhas memórias mais distantes;

posso lembrar de tudo o que já destruí
(posso reconhecer a Criação).

As pálpebras pesadas destes meus olhos insones
– que tentam fitar o desconhecido...

eu me tornaria definitivamente um louco,
conheceria as paisagens que não posso descrever,
criaria a Verdade para que esta renascesse em glória ideal:
posso rasgar o céu em sonho,
mas se o fizesse estaria para sempre iludido.

A razão existe para refrear todas as potências!
A sabedoria esconde, o delírio revela
– este é o mundo em que a sabedoria dorme,
e o Caos não está aqui!

Quando a Ilusão for quebrada estarei morto,
vou renascer quando isto tudo precisar ser feito;
as visões, todas elas!

E estaremos a salvo: não restará nada!
O Inferno é sempre o Tempo Presente.

(Thiago Nelsis)

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