quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Canção Noturnal

À noite o alento solitário eu peço:
“Ouve este canto do poeta que sofre,
Que na resignação de uns versos pobres
Maldiz as trilhas deste desalento...”

A madrugada segue e me abandono,
Horas sofrendo na vigília inerte:
Rouca canção de mi’a garganta verte
E a solidão vem me trazer o sono...

Ah! infindas noites de ilusão rara!...
E se o silêncio me embala os sonhos,
É que já a embriaguez m’abandonara...

Maravilhas e tormentos noturnos
Que deslizam sobre o tempo! Componho
A vós canções do meu ser taciturno...


(Thiago Nelsis)

O Palco da Memória

Perdi-me entre sombras de pensamentos
Que me arrebatam para além da vida...
Teatro etéreo de inexata nostalgia!
Encena glórias, finge desalentos

De uma vida que se passou por mim.
Espectador frívolo à encenação
De meu ser (externado...), de antemão
Vaiei a peça! – Cortina carmim

Despenca sobre a cena inacabada...
Estou só. Na escuridão, sem memória...
Visões que, louco, atirei ao nada.

O mesmo Nada que de mim eu fiz,
Eu: relutante contra a falsa história
Em que me pus. (Meu ser me contradiz...)


(Thiago Nelsis)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Desconjunção

Não poderia a eternidade inerte
Dar-me alívio à letargia.
Frente à incompetência para os ofícios,
À inocuidade dos sentidos e do ser,
Atiro-me ao nada que em mim ulula.
E repouso neste turbilhão informe
De sensações torcidas...

Ante a inanição de que sofro na alma,
Sonhou por mim mi’a covardia:
eis que,
Em meus temores, acomodei-me 
Entre as escolhas que não fiz,
Entre os caminhos que se vi seguirem...

(Eu, sem trilhar)...
Fiquei

Eu: cuja felicidade é onde não estou!

Por quantas medidas
Deixei que passasse por mim
O tempo?
Arrastado p’la correnteza dos três ponteiros?

A felicidade é quando não estou!

Concorri co’acaso para firmar
A minha estagnação.
Eu e ninguéns mais! – madrugada gloriosa!
Do Silêncio...
Emerge o porvir: invade meus sonhos e rouba-os
De mim...
Restei flutuando no éter do espaço,
Sob estrelas
– Sorriu-me, entre elas, a mais triste.

Aos ventos do Destino... distanciei-me.
Tangenciava a eternidade
Ida embora entre as correntes do vazio?

Sou os escombros deste mundo inteiro.
Da Humanidade, os receios
De tudo o que poderia ter sido

– E sempre o que poderia ter sido
Ao que vier a ser (isto jamais!). Minha arte
Esvaziou-se numa autoconfissão
Amorfa.

...A felicidade está onde não sou!

(Thiago Nelsis)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Toda Poesia que Escrevo...

Toda poesia que escrevo tem em si um algo de despedida.
Despeço-me das emoções que, voltando,
forçam-me a escrever outra vez.
Despeço-me da vida que, continuando,
força-me a escrever outra vez.
Despeço-me dos dias que passam,
das lembranças que me cercam entre palavras e imagens.

Guia-me a transitoriedade da vida que muda
e é a mesma sempre:
a consciência do absurdo de que fui outro em meu passado
e serei outro em meu futuro
e que a dor é a mesma sempre.

Despeço-me do assombro de carregar comigo tanto
de coisa nenhuma.

Nesta suposta despedida vejo partir com saudade
as tristezas com que me depararei amanhã.
Sinto nostalgia pelo que não aconteceu nunca
e repulsa antecipada pelo que provavelmente nunca ocorrerá.
Tenho tanta fome de vida não vivida!
tanta sede de expectativas abandonadas...
(expectativas que descrevo e de que me despeço
                                                                      sem me ressentir).

Imaginei que fosse a vida um sonho comprido,
como quando o sono não basta e cansa,
acordei despejado em minha própria realidade:
Estou vivo por acidente;
Morrerei com certeza e sem objetivo.

Mas me despeço até deste pesar inventado
para fingir que ainda acredito nesta vida,
que as emoções correspondem ao ser que as sente
ou à vida que lhes dá causa.

Viver é uma despedida constante
de todos os reencontros inevitáveis.

Despeço-me
para simular ineditismo em meio a tanto marasmo.
Despeço-me
para que seja outra a tristeza diária.
Despeço-me
para que cause surpresa
o contentamento enfadonho e finito
que pretende tornar tolerável a falta de sentido que é existir.

Diante do meu porto imaginário
os cargueiros partem para o horizonte e retornam.
Carregam consigo toneladas de mais do mesmo.

Carrego a esmo cargas para dentro e para fora do barco.
Carrego a esmo emoções para dentro e para fora de mim.
Carrego a esmo a vida até que a veja partir para sempre.

Diante do meu porto imaginário descrevo o espanto
de todas essas sensações em poesia de pretensa despedida.
E me despeço na saudade 
que ainda não sinto. E me vejo partir nestas linhas...

Como a vida, abandonei no bar a garrafa ainda cheia.
Paguei a conta antecipando o despertar

Irracional, não linear como a linguagem dos sonhos
estou me refugiando na frivolidade das palavras que escapam
no ar desta estranha miragem

...A poesia é prosa bêbada.


(Thiago Nelsis)

sábado, 13 de junho de 2015

Nemuritor

Reviramo-nos sob nossos túmulos.
Dissipados, meus pensamentos vagueiam sem ter paz...
Tua sedução aniquilara-me outrora.
Eis que renasço então!
Relembro:
Viajávamos na névoa da noite;
Sob sóis ardentes...
Entre feitiços sutis, entre miragens,
Nossa avidez e danação! Insaciáveis,
marchávamos!

Fomos como deuses perambulando entre os porcos:
Derramamos nosso veneno na superfície do mundo,
Avançamos com duras botas de ferro, a esmagar o solo.

Os ídolos, destronados
Sob sóis ardentes...
Entre feitiços sutis e entre miragens,
...

O banquete servido na sala vazia,
À espera de quem nunca vai voltar...
Sob o Universo imenso, submergimos.

Em tempos ainda mais antigos
eu teria espalhado a tempestade pelo mundo inteiro.
Tivesse feito subir os vapores mortais do ventre da Terra:
dissera aos mortos que invocassem seus vivos,
que lhes devolvessem o nada que perderam
e de que não se lembram mais.
Chorei cada nascimento e,
incapaz de tanto terror,
escolhi putrefar junto à gente ordinária
que viveu e que morreu.

Dei aos bichos minhas carnes,
matei e morri.
Fiz-me bruto e ensinei aos melhores homens
as mais detestáveis carnificinas.

E hoje, imitando dos mortais a morte,
nesta fria sepultura em que prometi ser-lhes igual,
estremeço consciente de minha própria lucidez.

Rogo-te então:
Guarda por favor o teu chamado
sob a poeira e sob o vento!
Deixa-me desvanecer
com os corpos que deitei sob a terra,
ainda que esta terra não me queira engolir. 

Perdoa-me, Eternidade!
Irmã traída do imortal que te renegou,
Sob sóis ardentes...
Entre feitiços sutis! entre miragens!


(Thiago Nelsis)


quinta-feira, 11 de junho de 2015

Absurdo II

Já há algum tempo escrever se tornou penoso,
como um pensamento que traz consigo um cansaço profundo,
um cansaço diferente, incapacitante,
uma espécie de cansaço que pesa nos ossos e na alma.

Quase toda vez que vislumbro uma ideia,
preciso deitar-me de imediato,
espantar dos pensamentos a inspiração que ainda não nasceu.
No meu autoexílio eu sou em parte o visitante inconveniente
que não sai da porta,
e sou em parte o morador que,
encurralado no próprio silêncio,
tenta convencer a ir embora a visita – porque ali ninguém se encontra.

Escrever é mais invasivo do que pensar,
e neste momento invado minha própria frivolidade
ao tentar externar a inexpressão em que tenho chafurdado.
Sou agora a mentira que é achar que é literatura
o amontoado de vazio que reuni fora de mim,
e sou também (mais que isso) a mentira
que escuta o som das teclas que bato a esmo,
numa tentativa patética de transpor minha própria clausura...

Estou me investigando às cegas e sem tato,
cuspindo qualquer impropério para tentar fazer findar a busca.
No labirinto do pensamento, atiro joias falsas a mim mesmo
e me contento em encontrá-las, como se valessem a Verdade!
Simplifico tudo e escondo-me de mim na rasura da folha,
no parágrafo que abandonei e não vou reler.
Sepulto a última verdade na correção ortográfica...
quando apago o último erro, que é expressar-se.

Ah, se as palavras tivessem qualquer coisa a ver com comunicação humana!
Em vez disso afogam-nos num mar de frases instrutivas,
pragmáticas e detestavelmente compreensíveis,
porque a linguagem é o coveiro da alma.

Refugio-me de mim na solidão do tempo que,
já não passando, eu ainda tento desacelerar.
Perpetuo-me no vazio da música
que escuto repetidamente para negar que estarei,
no próximo instante,
tão mais deslocado em relação a mim
do que estive em minha vida inteira.

Imortalizo-me no santuário de desdém
que são as paredes de que me cerco sem abrir portas nem janelas.
Na minha autocondenação tenho como Satã o ponteiro das horas;
como Tridente o ponteiro dos minutos;
e como Fogo Eterno o ponteiro dos segundos
– fiz de cada hora que passa a minha danação perpétua,
com que sou perfeitamente complacente.

Tenho como Pecados Capitais a falta de luxúria pela vida,
a ausência de ira contra meu destino,
nenhuma avareza em relação à ideia de Salvação.
Sou ao menos preguiçoso, mas não possuo nenhum orgulho!

Perdi-me no Abismo por ter dado a outra face.

Mas sou ainda o louco em seu castelo de delírio,
o mártir que derrama seu sangue pela causa inútil.
E ao som da tecla que bate,
da música que repete,
do relógio – o maldito relógio – que tiquetaqueia,
antes do terror da ideia abandonada,
expulsarei a lanterna que acendi,
já consciente de ter visto o desarranjo que ocultei
entre as palavras que não quis dizer.


(Thiago Nelsis)

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Manhã de Inverno

Na dança das sombras o fogo estala:
Lenha, brasa, as garrafas vazias...
A fumaça que enfim se esvai e cala
Pr’ouvir lá fora o vento que assovia...

Jogado ao chão da sala eu pesco sonhos
Captando as visões que o vinho deixara...
E descanso enfim meus olhos tristonhos...
Ó noite, partiste em mágicas raras!

Silentes mundos vêm me visitar
– Desprendidos das âncoras do acaso...
E embebido no néctar milenar
(Neste ar de fantasia e de descaso),

Finalmente entre arcanas maravilhas
Perco-me nos abismos da euforia...

(Thiago Nelsis)

terça-feira, 12 de maio de 2015

A Morte e o Tempo



Estivemos entre imagens passadas,
Presentes, vindouras... entre memórias
E sonhos desfeitos. Nossas histórias
Todas numa identidade mescladas...

Não me reconheço através do tempo;
Este que sou agora em meio a mim
É outro que se esvai sem ter um fim.
Vazio como as memórias que contemplo...

Eu e meus eus em sucessão feroz!
E da garganta desconheço a voz
De que me arrependerei das palavras...

Tal como cadáver deixado às larvas,
Desvaneço... Do agora para o vão
Do impossível: e o Tempo é uma ilusão.

(Thiago Nelsis)

quinta-feira, 19 de março de 2015

A Poesia do Absurdo - nova página e (em breve) revista online

A poesia do absurdo é uma visão estética e filosófica sobre a vida percebida através dos sentidos. A poesia, como sendo a linguagem dos sonhos, exerce a função de sugerir a realidade através de uma descrição onírica, irracional e absurda, concebida através das distorções do inconsciente.
As concepções da ótica do absurdo são inexatas e despegadas de ideais, de acordo com a ideia de que a percepção humana nos apresenta apenas sombras desfocadas do mundo; o poeta, desnorteado, descreve a si próprio em relação ao redor através de suas impressões sensoriais e instintivas mais cruas. O traço predominante é a ambiguidade e o conflito, sem que se apresente possibilidade de solução ou de posicionamento.
O absurdo é traduzido pela angústia existencial, quando o poeta vê-se incapaz de compreender ou de participar dos valores e convenções a que é submetido, uma vez que entende a existência como sendo, ao mesmo tempo, natural e sem sentido.


(Thiago Nelsis)

https://www.facebook.com/pages/A-Poesia-do-Absurdo/842678855789588

Com os poemas de Thiago Nelsis, Estela de Menezes, Giuseppe Neto e Henry Rios.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Minha tradução de (ou tentativa de traduzir) Baudelaire

Há muito tempo eu imaginava como seria difícil e interessante a tarefa de traduzir poesia. Diferente da prosa, o poema precisa manter do original elementos dificílimos de trazer de uma língua tão distante (como o francês do português). Procurar palavras que rimam e que mantêm o sentido das originais, manter a contagem de sílabas do texto traduzido e conservar o máximo do ritmo e da fluidez da origem. É mesmo dureza...
De qualquer maneira, aí esta minha "tentiada":



O Possesso


Está coberto o sol por um manto. Como ele,
Ó Lua minha, veste-te também de sombra,
Bebe ou fuma à vontade nesta tumba
E mergulha no abismo do tédio que te impele;

Eu te amo tanto! Porém, se quiseres assim,
Como oculta estrela que das trevas retorna,
Gabar-te nos cenários que a loucura orna
Está bem! Resta guardado o punhal carmim!

Acende teu olhar em vasta chama ardente!
Flama o desejo no olhar dos indecentes!
Em ti tudo é prazer, mórbido ou petulante;

Como fores, negra noite, rubra aurora;
Não há só fibra do meu coração vibrante
Que não grite: Belzebu, Minh’alma te adora!

Charles Baudelaire, traduzido por Thiago Nelsis


E, para quem quiser sacar, o texto original:

Le Possédé


Le soleil s'est couvert d'un crêpe. Comme lui,
Ô Lune de ma vie! emmitoufle-toi d'ombre
Dors ou fume à ton gré; sois muette, sois sombre,
Et plonge tout entière au gouffre de l'Ennui;

Je t'aime ainsi! Pourtant, si tu veux aujourd'hui,
Comme un astre éclipsé qui sort de la pénombre,
Te pavaner aux lieux que la Folie encombre
C'est bien! Charmant poignard, jaillis de ton étui!

Allume ta prunelle à la flamme des lustres!
Allume le désir dans les regards des rustres!
Tout de toi m'est plaisir, morbide ou pétulant;

Sois ce que tu voudras, nuit noire, rouge aurore;
II n'est pas une fibre en tout mon corps tremblant
Qui ne crie: Ô mon cher Belzébuth, je t'adore!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Morte do Poeta

Feito um Atlas moribundo
– Mas sem o céu a lhe pesar nos ombros –
Cambaleia o poeta ante sua tarefa mecânica.

Como a embriaguez que antecede a náusea
Sua inspiração cede lugar à dor!

Espírito altivo entre voos extraordinários,
Majestade sobre as nuvens das canções que compôs em devaneio,
Tombou como ave doente.

Na densa névoa onírica onde todas as razões renascem
Ele se perdeu: cego e tonto.
Dissipou-se tudo, e os elixires mágicos que bebera
Deixaram-no de alma enferma.

Da memória apagaram-se as expedições mirabolantes:
O infinito, minguado, é agora o tempo implacável,
Em fúria, a lhe cobrar todos os atrasos.

O poeta é um ser maldito pelo ofício:
Repetidor perene da ascensão e da queda de Ícaro;
E de tanto celebrar festins no firmamento
Deverá quedar – consumido nas chamas
                                                   Da sua própria loucura.

Morre esse artista quase sempre como um Sísifo a rolar inutilmente sua pedra.
Definhando em sua própria eternidade,
Ele dorme (já sem mais sonhar)...
Aguarda-lhe o esquecimento que virá para destrilhar seu caminho,
Quando sua existência será finalmente igual às brisas – 
Que vão-se embora sem mostrar que ali estiveram.


(Thiago Nelsis)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Des/poema In/verso



Quando antevi os desatinos do espírito
projetei meu pensamento em sombra:
livre de mim ele dançava, espectro altivo nas paredes.
Fora de mim as areias da noite escoam
pelos ponteiros de toda a Eternidade
– Para sempre aqui, iluminado pela luz do silêncio...

se irromper o momento, partirei. Mas não o espero.
Navegarei pela realidade afora:
seria o existir redescoberto nas embarcações desta visão?

Morrerei na praia sem ter nunca navegado.
terei quase chegado sem jamais partir.

                                        (quase).

QUASE    memórias ...
ilusão ...
     miragem ...

Perambulei por dentro de sonhos errados
mas que, antes de adormecer, não rejeitei.
- Os náufragos e suas loucas miragens!
- Eu e meus sonhos desvairados!

Minha consciência sonolenta perdeu-se
– e eu dentro dela, alerta, fi-la naufragar
entre palavras vãs...

Meu sonho não possui metáforas
Meu poema não contém visões

Compus os mais maçantes silêncios, sujei de tinta a folha e
Não lhe pus nenhuma vida

Não versam as linhas
                                        Versos

Sentei-me sobre a onda que passava
para com ela aprender a ser fugaz
Eternizei-me nela
Para sempre... vagando assim, sem rumo
e completamente estático
– Fotografia –
Eu! que queria ser

...fugaz...

Fotografo todas as imagens:
Nada em mim é passageiro,
Mas foi-se embora a onda sem mim
Fiquei perdido no espaço aberto entre os instantes
Eu! que desvirtuei por completo a onda...

... mas logo a onda volta!
Tendo voltado, encharcou as minhas fotografias
todas
Eternizei-me novamente nela sem ter comigo nada
Finalmente, eu sou fugaz!
Sou...

Riscaria pretensiosa 
Impalavras
Despalavras
Despoema
Inverso

E o momento é mais vazio que a folha escrita
E eu, em minhas buscas, sempre me desencontro.

(Thiago Nelsis)