Já há algum tempo escrever se tornou penoso,
como um pensamento que traz consigo um cansaço profundo,
um cansaço diferente, incapacitante,
uma espécie de cansaço que pesa nos ossos e na alma.
Quase toda vez que vislumbro uma ideia,
preciso deitar-me de imediato,
espantar dos pensamentos a inspiração que ainda não nasceu.
No meu autoexílio eu sou em parte o visitante inconveniente
que não sai da porta,
e sou em parte o morador que,
encurralado no próprio
silêncio,
tenta convencer a ir embora a visita – porque ali ninguém se
encontra.
Escrever é mais invasivo do que pensar,
e neste momento invado minha própria frivolidade
ao tentar externar a inexpressão em que tenho chafurdado.
Sou agora a mentira que é achar que é literatura
o amontoado de vazio que reuni fora de mim,
e sou também (mais que isso) a mentira
que escuta o som das teclas que bato a esmo,
numa tentativa patética de transpor minha própria
clausura...
Estou me investigando às cegas e sem tato,
cuspindo qualquer impropério para tentar fazer findar a
busca.
No labirinto do pensamento, atiro joias falsas a mim mesmo
e me contento em encontrá-las, como se valessem a Verdade!
Simplifico tudo e escondo-me de mim na rasura da folha,
no parágrafo que abandonei e não vou reler.
Sepulto a última verdade na correção ortográfica...
quando apago o último erro, que é expressar-se.
Ah, se as palavras tivessem qualquer coisa a ver com
comunicação humana!
Em vez disso afogam-nos num mar de frases instrutivas,
pragmáticas e detestavelmente compreensíveis,
porque a linguagem é o coveiro da alma.
Refugio-me de mim na solidão do tempo que,
já não passando, eu ainda tento desacelerar.
Perpetuo-me no vazio da música
que escuto repetidamente para negar que estarei,
no próximo instante,
tão mais deslocado em relação a mim
do que estive em minha vida inteira.
Imortalizo-me no santuário de desdém
que são as paredes de que me cerco sem abrir portas nem
janelas.
Na minha autocondenação tenho como Satã o ponteiro das
horas;
como Tridente o ponteiro dos minutos;
e como Fogo Eterno o ponteiro dos segundos
– fiz de cada hora que passa a minha danação perpétua,
com que sou perfeitamente complacente.
Tenho como Pecados Capitais a falta de luxúria pela vida,
a ausência de ira contra meu destino,
nenhuma avareza em relação à ideia de Salvação.
Sou ao menos preguiçoso, mas não possuo nenhum orgulho!
Perdi-me no Abismo por ter dado a outra face.
Mas sou ainda o louco em seu castelo de delírio,
o mártir que derrama seu sangue pela causa inútil.
E ao som da tecla que bate,
da música que repete,
do relógio – o maldito relógio – que tiquetaqueia,
antes do terror da ideia abandonada,
expulsarei a lanterna que acendi,
já consciente de ter visto o desarranjo que ocultei
entre as palavras que não quis dizer.
(Thiago Nelsis)