quinta-feira, 9 de julho de 2015

Toda Poesia que Escrevo...

Toda poesia que escrevo tem em si um algo de despedida.
Despeço-me das emoções que, voltando,
forçam-me a escrever outra vez.
Despeço-me da vida que, continuando,
força-me a escrever outra vez.
Despeço-me dos dias que passam,
das lembranças que me cercam entre palavras e imagens.

Guia-me a transitoriedade da vida que muda
e é a mesma sempre:
a consciência do absurdo de que fui outro em meu passado
e serei outro em meu futuro
e que a dor é a mesma sempre.

Despeço-me do assombro de carregar comigo tanto
de coisa nenhuma.

Nesta suposta despedida vejo partir com saudade
as tristezas com que me depararei amanhã.
Sinto nostalgia pelo que não aconteceu nunca
e repulsa antecipada pelo que provavelmente nunca ocorrerá.
Tenho tanta fome de vida não vivida!
tanta sede de expectativas abandonadas...
(expectativas que descrevo e de que me despeço
                                                                      sem me ressentir).

Imaginei que fosse a vida um sonho comprido,
como quando o sono não basta e cansa,
acordei despejado em minha própria realidade:
Estou vivo por acidente;
Morrerei com certeza e sem objetivo.

Mas me despeço até deste pesar inventado
para fingir que ainda acredito nesta vida,
que as emoções correspondem ao ser que as sente
ou à vida que lhes dá causa.

Viver é uma despedida constante
de todos os reencontros inevitáveis.

Despeço-me
para simular ineditismo em meio a tanto marasmo.
Despeço-me
para que seja outra a tristeza diária.
Despeço-me
para que cause surpresa
o contentamento enfadonho e finito
que pretende tornar tolerável a falta de sentido que é existir.

Diante do meu porto imaginário
os cargueiros partem para o horizonte e retornam.
Carregam consigo toneladas de mais do mesmo.

Carrego a esmo cargas para dentro e para fora do barco.
Carrego a esmo emoções para dentro e para fora de mim.
Carrego a esmo a vida até que a veja partir para sempre.

Diante do meu porto imaginário descrevo o espanto
de todas essas sensações em poesia de pretensa despedida.
E me despeço na saudade 
que ainda não sinto. E me vejo partir nestas linhas...

Como a vida, abandonei no bar a garrafa ainda cheia.
Paguei a conta antecipando o despertar

Irracional, não linear como a linguagem dos sonhos
estou me refugiando na frivolidade das palavras que escapam
no ar desta estranha miragem

...A poesia é prosa bêbada.


(Thiago Nelsis)