quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Minha tradução de (ou tentativa de traduzir) Baudelaire

Há muito tempo eu imaginava como seria difícil e interessante a tarefa de traduzir poesia. Diferente da prosa, o poema precisa manter do original elementos dificílimos de trazer de uma língua tão distante (como o francês do português). Procurar palavras que rimam e que mantêm o sentido das originais, manter a contagem de sílabas do texto traduzido e conservar o máximo do ritmo e da fluidez da origem. É mesmo dureza...
De qualquer maneira, aí esta minha "tentiada":



O Possesso


Está coberto o sol por um manto. Como ele,
Ó Lua minha, veste-te também de sombra,
Bebe ou fuma à vontade nesta tumba
E mergulha no abismo do tédio que te impele;

Eu te amo tanto! Porém, se quiseres assim,
Como oculta estrela que das trevas retorna,
Gabar-te nos cenários que a loucura orna
Está bem! Resta guardado o punhal carmim!

Acende teu olhar em vasta chama ardente!
Flama o desejo no olhar dos indecentes!
Em ti tudo é prazer, mórbido ou petulante;

Como fores, negra noite, rubra aurora;
Não há só fibra do meu coração vibrante
Que não grite: Belzebu, Minh’alma te adora!

Charles Baudelaire, traduzido por Thiago Nelsis


E, para quem quiser sacar, o texto original:

Le Possédé


Le soleil s'est couvert d'un crêpe. Comme lui,
Ô Lune de ma vie! emmitoufle-toi d'ombre
Dors ou fume à ton gré; sois muette, sois sombre,
Et plonge tout entière au gouffre de l'Ennui;

Je t'aime ainsi! Pourtant, si tu veux aujourd'hui,
Comme un astre éclipsé qui sort de la pénombre,
Te pavaner aux lieux que la Folie encombre
C'est bien! Charmant poignard, jaillis de ton étui!

Allume ta prunelle à la flamme des lustres!
Allume le désir dans les regards des rustres!
Tout de toi m'est plaisir, morbide ou pétulant;

Sois ce que tu voudras, nuit noire, rouge aurore;
II n'est pas une fibre en tout mon corps tremblant
Qui ne crie: Ô mon cher Belzébuth, je t'adore!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A Morte do Poeta

Feito um Atlas moribundo
– Mas sem o céu a lhe pesar nos ombros –
Cambaleia o poeta ante sua tarefa mecânica.

Como a embriaguez que antecede a náusea
Sua inspiração cede lugar à dor!

Espírito altivo entre voos extraordinários,
Majestade sobre as nuvens das canções que compôs em devaneio,
Tombou como ave doente.

Na densa névoa onírica onde todas as razões renascem
Ele se perdeu: cego e tonto.
Dissipou-se tudo, e os elixires mágicos que bebera
Deixaram-no de alma enferma.

Da memória apagaram-se as expedições mirabolantes:
O infinito, minguado, é agora o tempo implacável,
Em fúria, a lhe cobrar todos os atrasos.

O poeta é um ser maldito pelo ofício:
Repetidor perene da ascensão e da queda de Ícaro;
E de tanto celebrar festins no firmamento
Deverá quedar – consumido nas chamas
                                                   Da sua própria loucura.

Morre esse artista quase sempre como um Sísifo a rolar inutilmente sua pedra.
Definhando em sua própria eternidade,
Ele dorme (já sem mais sonhar)...
Aguarda-lhe o esquecimento que virá para destrilhar seu caminho,
Quando sua existência será finalmente igual às brisas – 
Que vão-se embora sem mostrar que ali estiveram.


(Thiago Nelsis)